CASAS E CANÇÕES
Não é só o baião ou o maracatu ou até mesmo a bossa-nova que enriquecem a música. Há bons baiãos e há maus baiãos. Todo método é um risco de acertar ou errar. Mas quando um suburbano que se acha demasiado negro, na América do Sul, vulgo Latina, decide comprovar que a idéia que temos de superioridade de uma raça sobre outra pode ser vista como uma ilusão, ou de que a raça negra não pode ser tratada com certa compaixão contraproducente, não é suficiente que ele tenha livre acesso às universidades. Além disso, é crucial que estude o Falcão todo, cronologicamente – não aqueloutro Falcão bobo, que também é um modelo para outro grupo, mas o Falcão que faz dO Rappa a grande luz no fim do túnel da música popular brasileira.
O Rio de Janeiro e o Nordeste devem fazer bem à imaginação; disso já estamos quase convictos, mas apesar desse projeto de fato, que justifica a fonte onde o Rappa bebe duma água cristalina, seria motivo de muitas risadas ouvir o Rei Roberto cantando, por exemplo: “É o rodo cotidiano...”.
Fui criado para pensar que os melhores retratos de um país são a sua arquitetura e a sua música. Infelizmente, para desespero nosso, nós, os E.T.’s, não temos tido, de uns anos para cá, nem mesmo casas para morar, que se dirá casas bem-parecidas. Mesmo assim, morro de rir toda vez que vejo a casa de fachada muito bonita, em plenos jardins, mas que ostenta uma imensa ferradura marrom, quase cobrindo todo o jardim colorido. Deve ser mesmo um motivo de inveja uma casa espaçosa e bem feita, com corredor dos dois lados, com portão baixo e carro à vista etc. etc. etc. Porém a ferradura não deixa de ser cômica. Uma superstiçãozinha de vez em quando vai bem, mas aqui o delito brilha mais do que a lei.
As belezas arquitetônicas não deveriam se reduzir aos prédios e monumentos públicos ou comerciais. Isso é um descompasso, um desconcerto. A beleza humana que ainda resta reflete a beleza dos seus limites, ou seja, das suas paredes, dos seus tetos e do seu chão. Para os E.T.’s oriundos de mundos mais longínquos, torna-se até possível perceber a poesia composta num cláustro ou num cárcere. Falta oxigênio na sintaxe. A imaginação não é capaz de vencer por completo a asfixia. Não dá para imitar o ventre. É quase um crime.
Casas e prédios (como em Ipanema), que não respiram o ar da distância, prédios que lembram pavilhões de prisões gigantes, que não se distinguem de tão próximos, misturas infames de dentistas, advogados, supermercados, açougues e moradias, autedores anunciando planos de moradia e tampando envergonhados a feiura das casas inacabadas, e para completar o carnaval paisagístico fora de hora – pichação, pichação e mais pichação. Por enquanto é esse o nosso retrato pelo prisma da arquitetura.
Já a música popular, talvez numa mimese da ópera, hoje conta, e não pouco, com o poder vocal. O que é louvável. Mas por que será que os homens de vozes fracas ou finas fazem tanto sucesso no Brasil? Terá medo da independência e por conseguinte da voz que a representa a mulher brasileira, já que é para ela que os homens cantam e é “no colo delas” que sobem ao palco?
Senão vejamos, o Rei é só emoção, os seus amigos são todos bissexuais, o Ministro da Cultura, que tem uma vozinha, gosta de beijar o Abravanel na boca.
Não tenho nada de absurdo contra o Caetano, apenas o que ele mesmo reconhece, com o que concordo: ele não se estende, sua voz é tão parecida com a dos 3 filhos de Francisco que ele se rendeu e parece ter feito mesmo a trilha – sonora.
Nem levou em conta que, figurando entre os nossos músicos aléns-do-homem inumeráveis e inesquecíveis, tem em seu favor a Poesia, o que não é pouco e até bastaria, não fosse por Jorge Aragão, Martinho da Vila, Frejat, Tim Maia, Ed Motta, Nelson Gonçalves, Zeca Baleiro e Arnaldo Antunes, mas claro: alguns outros que eu nem conheci e nem vou conhecer. A lista pode parecer confusa, mas o que une esses senhores da grande ópera universal é o fato de, além de também A terem, terem também algo inexplicável a oferecer exclusivamente à Música: um timbre viril. Quem teria coragem de, mesmo impulsiva ou acidentalmente, torcer o nariz para um desses nomes se não fosse por mera ignorância ou puro despeito? Há os homens que brindam só a poesia e há os que só a música. Quando se se atreve a seduzir as Duas, não temos apenas uma estrela, mas uma constelação, uma revolução – um bigue-bangue!
Porquanto se se quiser ouvir uma voz fina e ao mesmo tempo viajar nas delícias da fragilidade, opto por escutar atento a voz da Gal, da Marisa Monte, da Adriana Calcanhoto etc. etc. etc. A Música é assim, só olha para baixo! E é assim que temos mais uma dinastia: o Falcão, dO Rappa, é Rei!
22/12/2005.
Não é só o baião ou o maracatu ou até mesmo a bossa-nova que enriquecem a música. Há bons baiãos e há maus baiãos. Todo método é um risco de acertar ou errar. Mas quando um suburbano que se acha demasiado negro, na América do Sul, vulgo Latina, decide comprovar que a idéia que temos de superioridade de uma raça sobre outra pode ser vista como uma ilusão, ou de que a raça negra não pode ser tratada com certa compaixão contraproducente, não é suficiente que ele tenha livre acesso às universidades. Além disso, é crucial que estude o Falcão todo, cronologicamente – não aqueloutro Falcão bobo, que também é um modelo para outro grupo, mas o Falcão que faz dO Rappa a grande luz no fim do túnel da música popular brasileira.
O Rio de Janeiro e o Nordeste devem fazer bem à imaginação; disso já estamos quase convictos, mas apesar desse projeto de fato, que justifica a fonte onde o Rappa bebe duma água cristalina, seria motivo de muitas risadas ouvir o Rei Roberto cantando, por exemplo: “É o rodo cotidiano...”.
Fui criado para pensar que os melhores retratos de um país são a sua arquitetura e a sua música. Infelizmente, para desespero nosso, nós, os E.T.’s, não temos tido, de uns anos para cá, nem mesmo casas para morar, que se dirá casas bem-parecidas. Mesmo assim, morro de rir toda vez que vejo a casa de fachada muito bonita, em plenos jardins, mas que ostenta uma imensa ferradura marrom, quase cobrindo todo o jardim colorido. Deve ser mesmo um motivo de inveja uma casa espaçosa e bem feita, com corredor dos dois lados, com portão baixo e carro à vista etc. etc. etc. Porém a ferradura não deixa de ser cômica. Uma superstiçãozinha de vez em quando vai bem, mas aqui o delito brilha mais do que a lei.
As belezas arquitetônicas não deveriam se reduzir aos prédios e monumentos públicos ou comerciais. Isso é um descompasso, um desconcerto. A beleza humana que ainda resta reflete a beleza dos seus limites, ou seja, das suas paredes, dos seus tetos e do seu chão. Para os E.T.’s oriundos de mundos mais longínquos, torna-se até possível perceber a poesia composta num cláustro ou num cárcere. Falta oxigênio na sintaxe. A imaginação não é capaz de vencer por completo a asfixia. Não dá para imitar o ventre. É quase um crime.
Casas e prédios (como em Ipanema), que não respiram o ar da distância, prédios que lembram pavilhões de prisões gigantes, que não se distinguem de tão próximos, misturas infames de dentistas, advogados, supermercados, açougues e moradias, autedores anunciando planos de moradia e tampando envergonhados a feiura das casas inacabadas, e para completar o carnaval paisagístico fora de hora – pichação, pichação e mais pichação. Por enquanto é esse o nosso retrato pelo prisma da arquitetura.
Já a música popular, talvez numa mimese da ópera, hoje conta, e não pouco, com o poder vocal. O que é louvável. Mas por que será que os homens de vozes fracas ou finas fazem tanto sucesso no Brasil? Terá medo da independência e por conseguinte da voz que a representa a mulher brasileira, já que é para ela que os homens cantam e é “no colo delas” que sobem ao palco?
Senão vejamos, o Rei é só emoção, os seus amigos são todos bissexuais, o Ministro da Cultura, que tem uma vozinha, gosta de beijar o Abravanel na boca.
Não tenho nada de absurdo contra o Caetano, apenas o que ele mesmo reconhece, com o que concordo: ele não se estende, sua voz é tão parecida com a dos 3 filhos de Francisco que ele se rendeu e parece ter feito mesmo a trilha – sonora.
Nem levou em conta que, figurando entre os nossos músicos aléns-do-homem inumeráveis e inesquecíveis, tem em seu favor a Poesia, o que não é pouco e até bastaria, não fosse por Jorge Aragão, Martinho da Vila, Frejat, Tim Maia, Ed Motta, Nelson Gonçalves, Zeca Baleiro e Arnaldo Antunes, mas claro: alguns outros que eu nem conheci e nem vou conhecer. A lista pode parecer confusa, mas o que une esses senhores da grande ópera universal é o fato de, além de também A terem, terem também algo inexplicável a oferecer exclusivamente à Música: um timbre viril. Quem teria coragem de, mesmo impulsiva ou acidentalmente, torcer o nariz para um desses nomes se não fosse por mera ignorância ou puro despeito? Há os homens que brindam só a poesia e há os que só a música. Quando se se atreve a seduzir as Duas, não temos apenas uma estrela, mas uma constelação, uma revolução – um bigue-bangue!
Porquanto se se quiser ouvir uma voz fina e ao mesmo tempo viajar nas delícias da fragilidade, opto por escutar atento a voz da Gal, da Marisa Monte, da Adriana Calcanhoto etc. etc. etc. A Música é assim, só olha para baixo! E é assim que temos mais uma dinastia: o Falcão, dO Rappa, é Rei!
22/12/2005.
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